top of page

Crime e misoginia

no golpe de Estado no Brasil

A reação violenta da classe política brasileira às mudanças sociais é um dos sintomas programados pela cultura misógina hegemônica entre os políticos no Brasil. As políticas de distribuição de renda mais significativas promovidas pela presidenta Dilma favorecem as mulheres das classes trabalhadoras e mais pobres. São as mulheres as beneficiárias dos grandes programas sociais Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida. As mulheres têm prioridade no cadastramento dos programas e são elas as responsáveis pela gestão da renda e pela propriedade da casa. As empregadas domésticas também passaram a ter no governo Dilma o direito à regulação de seu oficio nos limites das leis trabalhistas.O serviço doméstico terceirizado continua sendo um privilégio de classe e de cor em um país marcado por uma longa história de escravidão. A maioria das trabalhadoras domésticas são afrodescendentes e moradoras das periferias e o acesso dessas mulheres a direitos míninos representa um momento sócio-histórico inédito no Brasil. Para além de um balanço necessário entre os acertos e erros das duas gestões de Dilma deve-se reconhecer que nelas entraram em cena políticas de reconhecimento de gênero. Deve-se igualmente reconhecer que projetos como estes representam avanços importantíssimos em termos de acesso ao bem comum e aos direitos civis das mulheres.

​

A construção de tais projetos foi levada adiante por meio de longas negociações entre umanova classe política ligada às antigas oligarquias ou às que ascenderam economicamente, mas não alteraram as antigas ideologias patronais e patriarcais.  Porém, mesmo cedendo às negociações,estes mesmos políticos nunca deixaram de alimentar o ódio por verem desestabilizada a hegemônica cultura misógina que sempre definiu de maneira opressora o papel das mulheres na vida social e política brasileira. O escudo da impunidade que sempre protegeu a oligarquia política no Brasil é usado para que os políticos reacionários cometam atrocidades e graves crimes que atentam contra os princípios coordenadores da vida numa democracia.

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

  

 

 

Mobilização dia 19/05, Place de la République

 

O símbolo grotesco da classe política reacionária é o deputado Jair Bolsonaro, que construiu sua própria caricatura demoníaca em sucessivos atos hediondosna cena política. O deputado acumula uma sequência de atos criminosos praticados em plena Câmara dos Deputados. Em um dos casos, que teve uma considerável repercussão porque aconteceu diante de jornalistas, o deputado disse à deputada Maria do Rosário: “só não te estupro porque você não merece”. A cena aconteceu nos corredores da Câmara quando a deputada, que atuava em comissões ligadas aos direitos humanos, era entrevistada pela imprensa. O deputado foi condenado a pagar uma indenização, o que não o inibiu de continuar intimidando as mulheres pelos espaços da câmara. No caso seguinte, desta vez longe das câmeras, o deputado intimidou e ameaçou a líder indígena Guarani Kaiowá, Valdelice Veron,  enquanto ela esperava pelos corredores da câmara o início de uma audiência pública dedicada às causas indígenas, promovida pela comissão de direitos humanos.O deputado prometia usar a violência necessária para calar os indígenas.  Durante sua fala na audiência, a líder Veron, profundamente incomodada com o ato de Bolsonaro, denunciou publicamente a intimidação.

​

O ato hediondo mais recente do deputado foi promovido também no mesmo espaço político, na sessão que votou o encaminhamento do processo de impeachment da presidenta para o Senado. Na ocasião, Bolsonaro dedicou seu voto ao coronel da ditadura militar responsável pela morte de civis e também pela tortura da então presa política Dilma Rousseff.  Essas cenas que aconteceram em plena Câmara dos Deputados, também chamada Casa do Povo, é um sintoma mórbido da contaminação do espaço político pela cultura da misoginia e da violência contra a mulher. Bolsonaro não representa a maioria da população brasileira que são as mulheres, mas representa a maioria dos deputados da Câmara que votaram pelo impeachment. São estes mesmos coveiros da democracia que ameaçam os direitos conquistados arduamente pelo movimento feminista e pelos movimentos sociais. São eles que mobilizam pautas que autorizam a violência e alimentam o fundamentalismo religioso como o projeto de lei que radicaliza a criminalização do aborto, mesmo em caso de estupro.Sintomas como estes denotam as anomalias de um sistema representativo em crise, em que políticos reacionários deflagram seu ódio por serem obrigados a dividir os espaços políticos com as mulheres.Este breve contexto ajuda a entender porque a postura violenta dos políticos da base golpista a uma governante mulher é uma reação rancorosa e perigosa.

​

Mas, infelizmente, não é apenas na esfera política que a misoginia contamina a realidade brasileira. A ofensiva misógina na esfera pública é igualmente crescente.A mídia tradicional tem promovido a cultura do machismo ao tramar o enredo do golpe. O caso emblemático é a matéria da revista Veja que elegeu a mulher do então vice-presidente Michel Temer como um exemplo admirável do gênero feminino ao atribuir a ela os adjetivos ‘bela, recatada e do lar’. A matéria direciona a opinião pública a uma construção subjetiva de que o ideal de mulher perfeita se completa apenas quando ela se enquadra nestes adjetivos. A matéria não poderia traduzir melhor os desejos de seu marido, que lidera um governo ilegítimo sem nomear uma mulher sequer para os quadros ministeriais.O papel decorativo da mulher de Temer reforça a onda misógina que arrasta a política brasileira. Os personagens públicos também contribuem para este retrocesso imperdoável. O humorista Danilo Gentili, mais famoso por cometer atos racistas e homofóbicos do que pela competência em seu ofício, comparou a senadora Regina Sousa do PT a uma empregada doméstica, quando fazia seu discurso na sessão de votação do impeachment. Um ato covarde e irresponsável cometido por uma celebridade desqualificada, que deflagrou ao mesmo tempo seu machismo e racismo, já que a senadora Sousa é a única mulher negra nesta função.

 

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

Manifestação do dia 1 de Maio à Paris

a

A cultura misógina também se reforça no ódio de setores da classe média que não se envergonham em estampar sua mediocridade e perversão ao pregarem adesivos da presidenta Dilma na entrada dos tanques de gasolina simulando um estupro. E mesmo as instituições públicas aderem à onda misógina e opressora. Uma professora de direito da Universidade Federal de Minas Gerais, de origem italiana,recebeu uma intimação para esclarecer sua participação em manifestações contra o golpe e em movimentos sociais. A lei que proíbe a participação de estrangeiros em manifestações políticas foi usada arbitrariamente para impedir a participação de uma mulher, intelectual, no debate público. A  arbitrariedade continuou no dia da votação do processo de impeachment no Senado. Milhares de mulheres integrantes de movimentos sociaisquese dirigiam à esplanada dos ministérios em apoio à presidenta foram surpreendidas por uma violência policial desmesurada. Muitas das manifestantesforam gravemente feridas. O estado policial demonstrou que estará a serviço da repressão de manifestações do movimento feminista e dos movimentos sociais, que estão decididos a não reconhecerem a legitimidade do governo golpista.

​

A construção de modelos alternativos de trabalho e organização social é parte das reivindicações das feministas no Brasil e tem favorecido a presença de mulheres em espaço historicamente negado a elas. A visibilidade e a pertinência  de suas pautas  está contribuindo para a construção de uma nova imagem da mulher em todas as esferas sociais. Neste sentido, as políticas públicas são necessárias para garantir às mulheres do campo e da cidade os espaços e instrumentos necessários para a reformulação de seus modos trabalho e de vida. É a partir da manutenção dos espaços de diálogo entre governo e sociedade que é possível viabilizar a construção de uma sociedade baseada em valores comuns e democráticos.

​

A medida provisória assinada no primeiro dia do governo golpista que extingue os Ministérios da Cultura, das Comunicações, do Desenvolvimento Agrário e o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos é um retrocesso dantesco que tem como primeiro alvo implodir os recursos da sociedade civil para lutar pela manutenção e ampliação de políticas públicas. Igual regressão é a composição de um quadro ministerial sem a presença de nenhuma mulher. Assim como a intimidação criminosa e covarde é a prática corrente de políticos misóginos, o primeiro ato do governo golpista em exercício é uma grande intimidação para a população e em especial para as mulheres que lutam a cada dia para viver em um pais com mais justiça e equidade. Em um de seus últimos discursos Dilma declarou que “a história ainda vai dizer o quanto de violência contra mulher tem nesse impeachment”. Não foi preciso esperar nem sequer um dia para a história afirmar que este impeachment golpista é uma violência brutal contra Dilma e contra todas as mulheres do Brasil.

​

As mulheres do Movimento Democrático 18 de março

bottom of page