top of page

Em um determinado momento de 2016, uma espécie de depressão coletiva assomou a todos aqueles que defendiam e defendem a democracia. O golpe parlamentar orquestrado pelos herdeiros das oligarquias brasileiras, fazedores das velhas políticas, nos havia colocado em uma situação de estupor. Nós, acostumados aos movimentos sociais ou não, mas que de algum modo fazíamos parte de uma grupo que não estava escravizado pelas crenças arraigadas podíamos ver, de um certo ponto de vista, que estávamos sendo arrastados para um dos mais tenebrosos momentos da política brasileira na modernidade. O fantasma da recente superada ditadura rondava a todos que vivenciaram ou sentiram, ou conheceram de algum modo o que representava a derrubada de um governo democrático. Não era, infelizmente, este o único motivo de nosso choque e pavor. O que nos chocava, apavorava e foi (é) motivo de grande questionamento, era também a adesão - e/ou a passividade - de muitos a este golpe parlamentar.

​

Fazia-se necessário fazer ouvir a nossa voz. A voz de quem estava longe fisicamente, mas completamente ligado, atado, aquele Brasil que imergia numa tenebrosa crise política. O movimento de auto-organização nasceu organicamente, inicialmente tímido, no entanto, se fortalecendo a cada novo encontro que fazia espelho aos acontecimentos no Brasil. Em Paris, por exemplo, um movimento que chegou a reunir presencialmente cerca de 500 pessoas e digitalmente, duas mil em um mês, ganhava corpo e nome: era o Movimento Democrático 18 de Março. Nossa experiência, embora diferente em número de adesões igualava-se em propósito a todos os não menos importantes movimentos que surgiram na Europa e no resto do mundo.

​

O MD18 foi nosso termômetro para medir a força e a efetividade da auto-organização social como ferramenta de combate à manipulação e à construção de sentido.

​

Se olharmos com distanciamento para o golpe no Brasil, percebemos que o golpe começou antes mesmo da eleição de Dilma. Os sinais eram perceptíveis. Não que isto tenha SIDO PLANEJADO por um só autor, na verdade se olharmos para este passado recente, o golpe contra Dilma foi um "ajuste'" no percurso de um plano que era na verdade descredenciar o Governo e o PT por meio das mídias para que Dilma não fosse reeleita. Acontece que, contrariando este projeto de retomada do poder Dilma se reelegeu. Reelegeu-se porém com uma diferença frágil, em um pré-cenário de golpe. Todas as mídias antecipavam que este "”ontinuaria" sendo um governo ruim, havia uma série de de acusações contra políticos do PT, prisões espetacularizadas que destruíam a imagem do partido. Nada disso por coincidência, no entanto. Nada. Empresários, políticos e a mídia encarregaram-se de tentar criar uma falsa unanimidade em cima da afirmativa de que aquele Governo seria um governo insustentável. O que na comunicação chamamos, entre outras coisas, de agendamento. Fazer a sociedade pensar sobre um assunto, de uma determinada maneira, durante um determinado momento…

​

Isso não é uma novidade. Não é recente. Por exemplo, se nos perguntarmos sobre as semelhanças entre o Golpe parlamentar dado contra Dilma e o golpe dado no Chile, vamos perceber algumas semelhanças, três delas são:

​

Primeiro, Allende foi eleito também com uma diferença pequena de votos, como Dilma, ou seja com uma maioria frágil. Em segundo, os dois golpes foram seguidos pela implementação violenta de uma agenda neoliberal. E finalmente por terceiro o que nos interessa hoje: ambos também foram realizados com a ajuda do aparelhamento ideológico da comunicação. Assim como no chile as mídias (não apenas as tradicionais) investiram em doses diárias de nacionalismo, chauvinismo, liberalismo, moralismo, machismo e, sobretudo, de descredenciamento do PT e Dilma.


Enquanto a mídia tradicional se ocupava de mostrar ao brasileiro que o país estava em crise por causa de uma presidente "burra", "incompetente", "despreparada", nas redes a militância paga e as páginas dos movimentos "sociais" aparelhados faziam eco destas matérias e mais, se especializavam em fortalecer as pós-verdades. Como no Chile, a mídia colocou o país, a presidenta e o PT em uma panela de pressão em ebulição e prestes a explodir e cotidianamente cada cidadão brasileiro não apenas viu, como sentiu a temperatura subir ao seu redor. Era sufocante, angustiante, desanimador.

​

Bom, apesar destas semelhanças com o Chile e outros, felizmente existem as diferenças e é aí que nós entramos. Enquanto no Chile a comunicação se dava de forma bidimensional através dos grandes jornais - notadamente aquele que foi condenado depois por isso, o El Mercurio - e as pessoas estavam mais suscetíveis e crédulas, hoje nós temos a potencialidade da comunicação multidimensional na internet. Uma faca de dois gumes que pode tanto combater essa construção de sentido, como reforçá-la, mas isto, e aí está uma importante informação, depende unicamente de nós. De nossa capacidade de mobilização. Nós podemos ajudar as pessoas a saírem das crenças, nós podemos lutar contra as supostas verdades absolutas tanto as adotadas pelos indivíduos quanto as empurradas pela mídia. E foi isso que nós fizemos e é isso que nós estamos fazendo quando nos organizamos em nossos países. Porque quando dedicamos nosso tempo a discutir, a mostrar que estamos organizados, quando apontamos onde estão os erros, as barbaridades, nós ajudamos as pessoas a saírem das crenças arraigadas. Simplesmente porque nossas vozes dizem: não é consenso! Enquanto todo o aparelhamento ideológico das mídias falava para os brasileiros e para o mundo "”oisas como "o impeachment é um consenso", "esta presidente é corrupta", "os políticos querem afastá-la por irregularidades", nós dizíamos "não, pera lá camarada, não é assim, não. NÃO HÁ CONSENSO, NÃO É VERDADE". E por isto eles não esperavam: nossa reação organizada, constante, embasada e distribuída no mundo todo. A nossa auto-organização foi e é tão poderosa que nós conseguimos pautar diferentemente as mídias internacionais, conseguimos reunir intelectuais, políticos, formadores de opinião de várias partes do mundo à nosso favor. Por exemplo, voltando à França, onde eu estava participando e acompanhando, os movimentos sociais conseguiram fazer com que o Le Monde publicasse uma coluna falando sobre as incongruências anteriores de suas matérias, pautamos também outras mídias com debates, entrevistas, entre outros. E isso se repetiu em todos os países onde estávamos organizados.


Infelizmente o golpe se consumou e isso enfraqueceu muitos de nossos movimentos, muita gente se desanimou e ficamos por algum tempo, novamente sem perspectivas, porém, graças mais uma vez à essa força e amor que temos pelo Brasil, hoje estamos aqui. Não para lamentar, mas para discutirmos estratégias de luta.

 

Nós somos muitos, nós somos fortes e sobretudo NÓS TEMOS VOZ.
Todos juntos pela DEMOCRACIA!

"A Resistência internacional dos coletivos."

bottom of page